Imagine que você seja um médico e, em uma de suas consultas, ao entender pela necessidade de realizar determinado procedimento ginecológico em uma paciente, esta acredita que, na verdade, você a enganou para se satisfazer sexualmente passando as mãos sobre seu corpo. Ela vai até a polícia e então você é intimado a prestar esclarecimentos. Este exemplo pode configurar um crime? Se sim, o que fazer? É o que vamos entender neste breve artigo.

Respondendo a primeira pergunta, teoricamente este fato pode ser entendido como uma violação sexual mediante fraude, crime previsto no Código Penal e que pode gerar uma pena de até 6 (seis) anos de reclusão. Mas o que configura esta figura delitiva? Vejamos.

O crime em questão determina que o agente deva ter conjunção carnal (introdução do órgão sexual masculino no feminino) ou praticar outro ato libidinoso (sexo oral, anal, beijos e toques lascivos no corpo da vítima) com alguém (seja homem ou mulher), mediante fraude ou outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação de vontade da vítima. Para solucionar o caso do nosso exemplo, iremos nos ater ao elemento “fraude”.

Entende-se que a fraude deve constituir um meio capaz de enganar a vítima, pois do contrário não estaria configurado o crime em questão. Esta fraude, inclusive, deve ser inequívoca, longe de dúvidas, eis que havendo a menor dúvida que seja, haverá falar-se em previsão, e nestas circunstâncias quem prevê e consente assume os riscos das consequências daquele ato, descaracterizando o engodo, ou seja, o fator “engano”.

Para explicar este conceito, vamos a outro exemplo. Imaginemos que José seja casado e pai de dois filhos. Com o intuito de ter relações sexuais com Maria, promete a ela que se consentir para o ato sexual irão se casar e viver seu romance. Notemos que não há falar-se em fraude, eis que Maria sabe que José é casado, portanto esta promessa não é capaz de lhe enganar.

Em casos como este, onde a vítima afirma ter sido enganada, mas a Defesa consegue demonstrar que há, no mínimo, dúvida acerca da fraude, os tribunais brasileiros já absolveram acusados pelo crime de violação sexual mediante fraude. Vejamos esta interessante decisão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal:

 

APELAÇÃO CRIMINAL. VIOLAÇÃO SEXUAL MEDIANTE FRAUDE. PROMESSA DE CASAMENTO. FRAUDE NÃO CONFIGURADA. ABSOLVIÇÃO. SENTENÇA MANTIDA.

1.       Para a configuração do delito de violação sexual mediante fraude é indispensável que o meio fraudulento empregado seja capaz de levar a vítima a erro insuperável.

2.       No caso dos autos não há que se falar em fraude ou engano de qualquer espécie. A vítima se trata de pessoa maior de 14 anos, esclarecida, com boa desenvoltura ao se expressar, respondendo com clareza e segurança ás perguntas dirigidas, se posicionando quanto ao ocorrido no sentido de ter pleno conhecimento da situação do acusado de ser pessoa casada, com filhos, e, ainda, que a relação sexual se deu de forma consentida após estendido relacionamento.

3.       – Recurso conhecido e desprovido. (grifei)

(TJ- DF 20161210013606 – Segredo de Justiça 0001338-45.2016.8.07.0012, Relator: Demetrius Gomes Cavalcanti, Data de Julgamento: 09/03/2017 – Terceira Turma Criminal, Data de publicação: 22/03/2017).

 

Sendo muito claro, é indispensável que a vítima seja ludibriada e não tenha se submetido ao sexo apenas por pedidos, por carícias ou mesmo na expectativa de conseguir algum tipo de vantagem, seja ela material ou moral.

Entendidos estes pontos, é crucial ter-se uma defesa patrocinada por um advogado que saiba como agir em demandas desta natureza. A Justiça Criminal pode ser palco para muitas injustiças, por isso agir com estratégia e utilizando-se dos meios legais corretos é fundamental para se pleitear uma vitória na luta por demonstrar a realidade de fatos desta gravidade.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

 

BITENCOURT, Cezar Roberto. Código penal comentado. – 7. Ed. – São Paulo: Saraiva, 2012.

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